marina carvalho para o projecto jiu xian garden village na china

"A residência artística de Land Art em JiuXian revelou um grande dinamismo e envolvimento entre arte, natureza e comunidade. Foi um ambiente único de trabalho colaborativo e sustentável, que trouxe novas questões, novas perspetivas e novos desafios artísticos. Acredito que, numa comunidade dinâmica, a comunicação e a expressão de sentimentos e necessidades são elementos centrais para desenvolver um trabalho coletivo orientado para um futuro melhor. Neste sentido, a experiência artística pode mobilizar as comunidades a serem ativas no seu próprio desenvolvimento. O que mais me impressionou neste projeto foi a beleza da sua imperfeição. Abraçar o ser humano com os seus erros e limitações, sem pretensão, enquanto simultaneamente acolhe sonhos, desejos e todas as capacidades sobre-humanas, sem modéstia. Este projeto criou uma rede extremamente vibrante e dinâmica de relações humanas entre habitantes locais e visitantes, chineses e estrangeiros, pessoas e entidades. JiuXian Garden Village é um futuro visionário no presente, humano e verdadeiro. Muito obrigada a todas as pessoas que deram e continuarão a dar vida a este projeto."

Marina Carvalho
Artista & Escultora Multidisciplinar

O meu encontro com o Vale Èr Yuè Xià (final de fevereiro)

Os pinheiros percorrem as montanhas e os vales de JiuXian. O vento abraça o tempo, fala pelas folhas, pelos bambus, pelas rochas. Aqui, tudo é tempo e espaço. Aqui, penso na música dentro da escultura.

Trabalho a matéria na sua dimensão espacial e corporal, numa relação de ritmos, texturas, densidades, frequências e cores, explorando o ritmo musical criado pelas progressões da série numérica de Fibonacci. Exploro a série de Fibonacci como uma escala musical, onde as notas são análogas aos corpos que crio. Corpos situados no tempo e no espaço. Um dó ou um sol, ou um conjunto de notas musicais, são volumes que possuem certa densidade, certa frequência, massa, peso, dimensão, forma, cor, timbre e textura.

Trabalhar esta dinâmica musical na escultura foi um desafio. A Land Art exige uma verdadeira experiência da matéria, do tempo e do espaço. Em JiuXian, estes elementos surgiram para mim como algo novo, o clima, a geologia, a natureza, a cultura, os sabores, os aromas, os hábitos e os ritmos que nunca tinha vivido. Com uma receção tão calorosa, o abraço daquela paisagem única e o entusiasmo que vibrava em todos nós, a ideia inicial para o meu trabalho surgiu facilmente. Mas depressa percebi que ainda não tinha deixado para trás o meu “eu” antigo. Render-me ao presente, conseguir viver o tempo sem o relacionar com aquilo que já conhecia, entrar no pulso da vida numa terra distante. Essa entrega levou tempo, não foi um salto de olhos fechados, mas um processo de adaptação que foi fechando distâncias. Como disse Zeng Weijun, o chefe de JiuXian, “a arte é vida, e a vida é arte”. Neste sentido, o processo do meu trabalho foi o processo da minha própria vida em JiuXian.

Da frustração nasceram novas ideias, até que o essencial se consolidou: o bambu como matéria e a natureza que interage com ele. O bambu é extremamente versátil, é leve e resistente, duro e flexível, de crescimento rápido e grande durabilidade. Do macro ao micro, o bambu está em todo o lado. Ganha forma em objetos domésticos, instrumentos musicais, na construção dos edifícios. O bambu está tão presente aqui quanto a água ou o ar que respiramos. Tudo é feito com bambu.

Alimentei-me das tradições locais e recriei-as. Descrevi, corporalmente, em dois momentos, as tradições que vivi. Os dois momentos são material e tecnologicamente semelhantes, mas combinados de formas diferentes. No primeiro momento, Fēng zhī dí, o bambu dialoga com o vento e com as pessoas que nele participam, tocando-as. O espaço circular abraça o ritmo visual dos bambus, as pessoas que interagem com eles e os seus sons. O som do vento no bambu. O tempo que passa e deixa marcas. O sol, as montanhas. No segundo momento, Yǔ zhī dí, o bambu dialoga com a chuva, com a montanha que respira com ela, com a rocha e as diferentes cores que nela habitam, com a brisa e os ventos que passam, com o tempo. Em ambos, o bambu interage com o clima que molda a natureza e revela a passagem do tempo. O tempo que faz a matéria vibrar, mas também a desgasta. O tempo que vive, e o seu fim.

sobre a artista

Marina Carvalho, nascida em 1981, licenciou-se em escultura pela Faculdade de Belas Artes do Porto em 2008 e 2009, e possui também o curso de piano da Academia de Música de Santa Maria da Feira.
O seu percurso profissional e artístico caracteriza-se pela sua natureza multidisciplinar. Para além da formação em diversos meios artísticos, participou numa residência artística na Turquia, desenvolveu trabalho de arte terapia com crianças com deficiência em Israel e integrou uma série de workshops e conferências internacionais.
A Marina leciona ainda artes e música a crianças.

conheça o projeto completo aqui