rui pinto gonçalves para o projeto jiu xian garden village na china

"A relação entre o ser humano e a natureza sempre foi indissociável, embora essa ligação tenha sofrido transformações profundas ao longo do tempo. Se percorrermos a linha da história, percebemos com clareza as mudanças sucessivas que moldaram esta convivência."

Rui Pinto Gonçalves
Arquiteto

No passado, partíamos de uma fase de harmonia e equilíbrio, em que o ser humano, consciente e responsável pelos seus atos, reconhecia a força da Natureza no Universo e agia de acordo com ela. As dúvidas encontravam respostas em explicações de ordem metafísica, sempre sob a premissa de respeito por aquilo que o ultrapassava.

Com o tempo e com a evolução do conhecimento científico e técnico, o ser humano começou a sentir um sentido desajustado de poder sobre todas as coisas, muitas vezes exercido por quem não tinha a sensibilidade necessária para o gerir perante uma entidade maior, a Natureza. Dinâmicas espontâneas que estabeleciam uma matriz de ordem natural, e que deveriam ter permanecido intransponíveis, foram sendo ignoradas. O ser humano procurou dominar, transformar e controlar.

Hoje, a consciência coletiva obriga-nos a parar e a refletir, travando a máquina que avança sobre a Natureza. O progresso pode e deve continuar, mas de forma sustentável, capaz de garantir o bem-estar das comunidades num contexto saudável. Torna-se essencial proteger os recursos através de estratégias alternativas e inverter a toxicidade gerada por determinados modelos de desenvolvimento contemporâneo.

A Land Art faz parte deste momento de reflexão. Esta forma de expressão artística surgiu no século XX, quando o conceito de Arte se expandiu e acolheu novas manifestações. É um gesto artístico que evidencia a escala da Natureza, procurando complementá-la e equilibrá-la sem nunca ferir a sua essência. Baseia-se numa relação de igualdade entre ser humano e Natureza, articulando a interação entre ambos.

A aldeia de Jiu Xian é um palco privilegiado para esta expressão artística, enriquecida por uma paisagem natural cheia de vitalidade e significado histórico, marcada por vestígios de ocupações antigas que parecem ali existir desde sempre.

No entanto, apesar deste aparente equilíbrio, a necessidade de evolução é incontornável. Sem transformação, a própria existência e longevidade da aldeia ficam ameaçadas. Por maior que seja o seu valor, se não forem criadas atividades que, antes de mais, fixem a população local e atraiam visitantes, as hipóteses de sobrevivência serão reduzidas.

O plano de intervenção deve, por isso, assentar num investimento acompanhado de dinamismo. A estratégia proposta é a de potenciar a riqueza cultural e natural da região, orientando-a para um turismo consciente e profundamente enraizado no território, através de iniciativas como:

• produção e comercialização de produtos regionais de exceção, nomeadamente plantas medicinais e alimentos abundantes e de grande qualidade como o arroz
• aplicação e promoção de terapias da medicina tradicional oriental
• valorização do artesanato local
• utilização das áreas agrícolas como cenários para percursos temáticos
• desenvolvimento de um turismo singular e educativo, oferecendo experiências culturais profundamente ligadas ao lugar

É fundamental dotar a aldeia de uma dinâmica sustentável mas suficientemente flexível para preservar a força da sua identidade. As estratégias devem ser claras e os instrumentos adequados, garantindo um desenvolvimento imune à perda de cultura e capaz de manter o equilíbrio ecológico. A aldeia deve alcançar um certo grau de autosuficiência económica que lhe permita assegurar a sua manutenção contínua sem comprometer o seu caráter.

O desafio desta intervenção é acrescentar sem sobrecarregar. É ler o que existe, afirmar a mensagem presente no espírito do lugar e salvaguardar a sua continuidade. É desenhar de forma invisível, fazendo o que é certo sobre uma base sólida.

sobre o artista

Rui Pinto Gonçalves (n. 1963) é arquiteto de formação e profissão, licenciado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, e sócio fundador da RRJ Arquitectos, uma empresa com atividade internacional sediada em Lisboa. Viajante por vocação, humanista e ecologista por natureza, Rui Pinto Gonçalves tem desenvolvido projetos de arquitetura onde a integração ambiental, a autossustentabilidade e a experimentação formal assumem um papel estruturante.

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